"Eu também quero anistia e quero voltar em 2010"
Leia, abaixo, a entrevista que a equipe do blog fez com Roberto Jefferson.
Equipe do Blog - Tendo 2010 como horizonte, que recado as eleições municipais deixaram para o País?
Roberto Jefferson - Uma forte participação popular, uma festa democrática, apesar da Justiça Eleitoral e do Ministério Público Eleitoral, aliados a um segmento de mídia, terem tentado tirar o brilho das eleições. Elas foram absoluto sucesso popular, com a participação efetiva, feliz e descontraída do povo. O que eu entendi de recado das urnas é que ninguém transfere votos, isso ficou claro. Pai não transfere para filho, amigo não transfere para amigo, cada vez mais o voto é personalizado.
- E o presidente Lula, vai transferir voto em 2010?
- Não creio. Vai influir, mas não transferirá votos.
- Como o PTB saiu dessas eleições de 2008?
- Muito fortalecido, cresceu muito em relação a 2004. Apesar de em 2004 termos 55 deputados federais, e agora em 2008 apenas 22 deputados, nós fizemos, contra 280 prefeitos daquela época, 420 nessas eleições. Contra 1.800 vereadores, fizemos agora 2.800 vereadores, e contra 4,5 milhões, fizemos agora 6,3 milhões de votos. O partido cresceu muito em todo o País e fortaleceu poderosamente as suas bases municipais.
- O Brasil não pode ser uma ilha de prosperidade cercada por vizinhos pobres; até por isso mesmo, precisa ajudá-los, seja com apoio financeiro, humanitário. Acontece que muitos deles têm feito jogo duplo. Aceitam nosso dinheiro e cooperação, mas nos tratam com hostilidade, em busca da popularidade conquistada contra o ?inimigo externo?. Depois da apatia inicial, principalmente no caso da Bolívia envolvendo a Petrobras, o presidente Lula endureceu o discurso, até para forçar uma distensão. Há espaço para o diálogo? Mesmo com Hugo Chávez?
- Não tenho dúvida disso, o Brasil está jogando com muita habilidade nesse processo. O presidente Lula endureceu a sua posição, dizendo que o País está sendo maltratado pelos vizinhos, mas liberou o Itamaraty para negociar, e o Brasil tem negociado. Eu entendo que a melhor política de ajudar os vizinhos que precisam é a tolerância, e isso o governo brasileiro vem demonstrando sobejamente. Nós estamos tratando com muita tolerância até os excessos retóricos praticados pelo coronel Chávez.
- E quanto à questão de Itaipu com o Paraguai?
- O Brasil pode ajudar. Nós devemos muito ao Paraguai porque historicamente o punimos muito, tratamos muito mal o seu povo. O Brasil, na guerra com Solano López, cometeu uma violência muito grande com o povo daquele país, e isso é uma dívida histórica de toda a nação brasileira. Não pesa tanto para nós o auxílio que eles nos pedem, e nós podemos consolidar uma sólida relação de harmonia. A fraternidade não se expressa só em palavras, mas também em atitudes, em especial aquelas que ajudam economicamente um povo pobre. Se o Brasil caminhar por esta vertente, estará acertando.
- O Brasil acerta quando promove a integração sul-americana?
- Nós temos que ser fortes em casa primeiro para depois conquistar os novos mundos. Se nós dermos, na América do Sul, uma lição de unidade nacional, territorial, de língua, de sentimento, de povo, nós podemos fazer isto se irradiar por toda a América Latina, sem gestos de intolerância ou prepotência. Grande como o Brasil é, o maior, tem que ser sempre humilde, dar sempre a mão à indulgência. O grande faz isso, e vai fazer sólidas alianças e valorosas amizades.
- Os Estados Unidos são conhecidos por serem um país revolucionário. Nos últimos anos, porém, seja pela experiência com Bush ou pela sensaboria de Hollywood, se mostravam acomodados. Recentemente, eles despertaram: em busca de mudança, elegeram pela primeira vez um negro à presidência da República. Mas os nomes que vêm sendo anunciados para compor o governo de Obama mostram que o democrata não é lá tão progressista assim. O que você espera de Obama quando ele sentar na cadeira?
- Um governo muito mais tolerante, pacifista, preocupado com o meio ambiente, com o aquecimento global. Esta nação que você disse acomodada, balofa, gorda, obesa, que tem sido a nação americana, você vê na própria contra-imagem de um presidente negro e sarado, atleta, um homem de físico saudável - isso vai fazer a sociedade mudar. Vamos ver que a abertura será feita para a distensão, não para o tensionamento das relações internacionais. Espero que o Obama acerte, e pra isso ele está se cercando de gente boa. Você não pode ser nem liberal demais nem conservador demais, e a sapiência, pelo que eu vi, na formação do governo, é que ele está mesclando, colocando conservadores e liberais. No final, no conflito desses dois comportamentos, Obama vai tirar o melhor caminho, estancar a crise.
- O governo brasileiro vem adotando medidas para espantar o fantasma da crise, e nega que ocorrerá uma desaceleração no crescimento. Com isso, pressiona o Banco Central para reduzir a taxa de juros, com medo que o custo político de uma recessão traga efeitos negativos sobre a popularidade de Lula e na sua capacidade de eleger seu sucessor, pondo em risco a qualidade das políticas macroeconômicas e, conseqüentemente, a capacidade de o País crescer quando a crise tiver se dissipado. Está correta a estratégia?
- O presidente tem razão, está demais o conservadorismo do Banco Central. Banqueiro no Brasil não corre risco, só quer emprestar a juros de 13,75%, os mais altos do mundo. O juro do cheque especial já está 4% ao mês. É uma barbaridade! O maior juro do mundo! Não sei se é um sentimento eleitoral, mas de bom senso, porque estamos vivendo a desaceleração da economia, o crédito não está fácil, as pessoas estão se retraindo, não estão comprando, e o governo ainda mantém taxas de juros elevadíssimas, não pode. Tem que forçar o Banco Central a reduzir os juros. Pra ganhar a eleição, pra manter o nível de emprego, para melhorar a economia, enfim, eu não sei qual é o objetivo, mas ele tem que perseguir esta meta, porque está demais. O banqueiro só quer emprestar para o governo, onde ele é remunerado regiamente com toda a garantia. Que negócio é esse? Vocês percebam que hoje a atividade de banco é sem risco, e isso só no Brasil.
- Com a crise do mensalão, Lula se descolou do PT, e alguns intelectuais já apontam o presidente como um novo caudilho (outros o vêem como mito). Em seu governo, o presidente buscou o crescimento econômico com redução da pobreza e da desigualdade, até ajudou a criar uma nova classe média, a C, mas o País não sai de onde está - tem problemas na saúde, na segurança, na educação. No entanto, a maioria da população acha o governo bom: não é nenhuma maravilha, mas tem o Bolsa Família! Que legado Lula vai deixar?
- O Lula vai ser um presidente que não será esquecido pelos pobres. Você vê, Juscelino criou as condições econômicas ideais quando transferiu o eixo de poder do litoral atlântico para a região Centro-Oeste, para o País ser pujante com essa economia que nós vivemos hoje 50 anos depois. Mas ele não é tão lembrado por isso. A obra que é imorredoura é a social. A ponte não é tão forte como o aumento do salário, como o Bolsa Família. A construção de uma estrada não é tão lembrada como a criação da legislação da Previdência Social. Você pode construir uma cidade nova, mas ela não será lembrada tão fortemente como foi a Consolidação das Leis do Trabalho. O presidente Lula acerta sim, na medida em que está transferindo mais de R$ 10 bilhões por ano ao bolso dos mais pobres e criando essa classe média. Vamos repartir um pouco o pão em vez de continuar concentrando riquezas. Mas não é só isso, é preciso, também, melhorar a saúde (com bom gerenciamento, não com novo imposto), a educação (uma dívida nacional), a segurança (sem mágica, mas com energia, forte presença do Estado e recursos públicos) e cuidar do emprego e da renda.
- E para você, ele está mais para caudilho ou para mito?
- Eu não o vejo como caudilho, ele não tentou nenhum golpe antidemocrático, ele não tentou estender o mandato, ele não tentou um terceiro mandato (pelo menos até agora), ele não tem uma atitude pública que faça com que possamos chamá-lo de caudilho, de homem que rasga a Constituição pelo interesse pessoal ou de um grupo de poder. Não vejo isso no presidente Lula. Vamos aguardar essa emenda do Devanir para ver se ela realmente vai vingar nesse ano de 2009.
- A política perdeu a capacidade de processar o conflito de classes?
- Não, a política hoje sofre uma brutal concorrência do poder concursado. Todo mundo do concurso público, em especial o Ministério Público, quer competir com a política, quer se mostrar mais talentoso do que os políticos, se mostrar mais influente e poderoso do que os políticos, e com isso cria percalços e tensões, denegrindo a toda hora a classe política. Mas ela sobrevive a tudo isso, até a um Ministério Público interventor e antidemocrático.
- Desculpe, mas os leitores insistem: afinal Lula sabia ou não sabia do esquema do mensalão?
- Não sabia, como não sabia do esquema de Furnas, que foi montado pelo Zé Dirceu. Ele não sabia da conversa entre o PT e o PTB pra Furnas e não sabia do mensalão.
- Hoje as relações do governo com a base aliada são mais republicanas?
- São mais limpas. A influência do Zé Dirceu foi muito pragmática. Ele apostava que poderia comprar uma burguesia de classe média, de classe média alta, com dinheiro. Ele não se interessava em unir os partidos em um projeto de poder, mas tentou sim enveredar os agentes partidários, deputados e senadores, em um projeto pequeno de remuneração, de toma lá dá cá. Foi ruim, o presidente Lula despertou para isso, cortou esse processo e se engrandeceu. Essa coisa mais pragmática, menor, era mais por influência do Zé Dirceu do que por influência do presidente Lula.
- Em entrevista ao Estadão, Zé Dirceu disse que ?tem representatividade para participar da vida política do País? e que vai pedir anistia na hipótese de o julgamento ficar para 2013 ou 2014. O que você acha disso? Vai pedir também?
- Ele tem razão e eu também. Eu tenho representatividade pra voltar. Penso que cinco anos é um tempo muito grande pra quem acertou muito mais do que errou. Ele tem razão na análise que faz das suas influências, e eu nas minhas. Eu também quero anistia e quero voltar em 2010.
- Findo o período de cassação você pretende se candidatar?
- Sim, à Câmara Federal ou ao Senado da República.
- Na semana passada você declarou que Lula ainda não tinha candidato a sucessor. Continua pensando assim?
- Ele não tem no PT um candidato que possa disputar pra vencer as eleições em 2010. Há esse projeto em torno do Aécio, pós-Lula, mas não sei se ele vai conseguir construir esta aliança, porque terá que romper com São Paulo para fazer um candidato mineiro. Não sei o que vai fazer o presidente Lula. Mas o certo é que ele ainda não tem um candidato em quem possa apostar.
- José Serra é imbatível em 2010?
- Por enquanto é o mais forte candidato a presidente da República.
- Dilma Rousseff tem chances de suceder Lula?
- Administrativamente ela é muito boa, até porque ela santificou a Casa Civil. O Zé Dirceu conspurcava a Casa Civil, e criava embaraços graves à imagem do governo. Mas a Dilma limpou isso e ajuda a executar o governo, a colocar a máquina para andar. Nisso ela é boa, é uma tocadora de governo. Eleitoralmente ela ainda não foi testada. Eu sinto que ela tem pavio curto, se aborrece à-toa, não sei se ela agüentaria um processo eleitoral duro como é a campanha à presidência da República. Ela não foi vereadora, não foi prefeita, não foi deputada, nunca foi governadora, não pediu votos, por isso é difícil dizer se uma pessoa tão sem experiência possa ter boa condição política e eleitoral.
- E o governador de Minas, Aécio Neves?
- É um gigante. Se tiver chance, é um gigante. Ele sabe trabalhar, sabe construir, pacificar, sabe unir as pessoas, faz política sem ódio, com afeto, agregando, juntando, ele é um grande político. Ele é sem dúvida nenhuma o real herdeiro de Tancredo Neves. Aliás, dizem que um fruto bom não cai longe do pé, e o Aécio não caiu. Ele é um conciliador.
- Que papel está reservado a Ciro Gomes?
- Acredito que o Ciro Gomes vai ser um espectador nesta eleição. Vai ter pouca força como candidato a presidente. Vai ser mais articulador do que protagonista.
- Por que de repente o ministro Tarso Genro (Justiça) parou de infernizar a vida da presidenciável Dilma Rousseff?
- Deve ter recebido aviso de algum passarinho. Algum passarinho deve ter dito que a batata dele está assando, e ele sossegou.
- Você acha que Tarso teme que, se não emplacar como candidata presidencial, Dilma se torne um nome forte para concorrer ao governo do Rio Grande do Sul, cargo que ele também almeja?
- Ali a disputa é para saber quem vai ser o último na eleição gaúcha. Se ele for candidato ao governo do Rio Grande do Sul, ou ela, os dois não vão pagar placê, não serão os futuros governadores daquele estado.
- Está mais para quem o governo gaúcho?
- Houve um desgaste muito grande da governadora Yeda Crusius, mas o petebista Sérgio Zambiasi é um nome muito forte. O Rigotto também tem um nome fortíssimo, se desejar voltar. Já são dois nomes acima desses dois do PT, além do da própria governadora.
- Você se arrependeu de ter rasgado o véu do PT?
- Não, pelo contrário. Eu até ajudei o partido com isso. Porque o PT fez uma trajetória com um discurso intolerante e de ódio. Um discurso que marcava pessoas, que procurava ferir reputações. O Brasil hoje tem a noção que tem gente boa à esquerda, tem gente boa à direita, e tem gente ruim à esquerda e gente ruim à direita. Os discursos puritanos que o PT fazia eram muitos ruins para a democracia. Isso passou, e o País saiu maior disso. Cresceu o Brasil e se consolidou a democracia.
- Quem é hoje o porta-voz da opinião pública?
- Acredito que a mídia nacional. Hoje ninguém influencia tanto a opinião pública quanto a mídia nacional, a Imprensa, que tem acertado muito.
- Você acredita que o Lula não quer um terceiro mandato?
- Eu creio que não. Ele não tem tratado disso. Eu converso longamente com o ministro da Articulação Política, José Múcio, que é um ministro muito ligado ao presidente, além de ser um bom amigo e um homem de grande influência no PTB. Sempre que toco neste assunto o Múcio me diz: o Lula não quer. Não aceita conversar, não estimula esta conversa, não tem tratado disso com os ministros. Isso me deixa uma visão muito serena, muito real de que o presidente Lula não leva a sério este projeto.
- Como você vê o Rio de Janeiro sem César Maia?
- Ele foi um grande prefeito, bom administrador. É um homem que teve a coragem de apostar na cultura, quando todo mundo pedia que ele concentrasse dinheiro em saúde, educação e segurança pública. E ele sabe que o povo só é saudável se for culto. O povo só tem segurança se for culto. E ele apostou, por exemplo, na Cidade da Música, uma grande obra que dota o Rio de um novo Teatro Municipal, capaz de produzir espetáculos enormes, internacionais, para divulgar a cultura nacional, fundir as culturas. Ele teve essa visão. Ele é um homem de trato pessoal muito difícil, muito isolado, um eremita, mas fez uma boa obra de governo no Rio de Janeiro.
- Qual sua expectativa com relação ao novo prefeito, Eduardo Paes?
- Ele começou com César Maia, depois se libertou e caminhou por si só. É um homem honrado. Foi um grande ?prefeitinho? da Barra da Tijuca, além de bom deputado estadual e excelente deputado federal. Construiu sua vida pública jovem, mas já é uma longa vida pública, apesar de seus 39 anos. Ele é um homem que atua com correção, com dignidade, ninguém fala um senão sobre a conduta do Eduardo Paes. Eu entendo que ele vai fazer um bom governo na cidade do Rio de Janeiro, mesmo porque ele é um administrador provado. Já foi secretário estadual e municipal com sucesso.
- É possível a paz entre árabes e judeus?
- Onde entra dinheiro e religião, é quase impossível fazer a paz. As religiões são intolerantes, e o dinheiro agrava a disputa entre os homens. Acho muito difícil a concórdia entre árabes e judeus. Essa guerra envolve dinheiro e a intolerância religiosa. Meu Deus é melhor do que o seu - esse tipo de pensamento já matou muita gente ao longo da história da humanidade.
- Como vê a chegada de 2009?
- Vai ser um ano difícil na área econômica. Apesar dos números de final de ano serem positivos, com crescimento em torno de 5% do PIB em 2008, a gente já vê movimentos de demissão de trabalhadores, queda nas exportações (o que não acontecia desde 1999), diminuindo o superávit da balança comercial, enfim, a gente percebe que teremos muitas dificuldades. O mundo hoje é global e a crise repercutirá no Brasil. Eu diria que não tão intensamente porque estamos criando um mercado interno forte, com capacidade de preencher a lacuna que o mercado internacional vai deixar. Este ano vai ser mais difícil, entretanto, ainda vai ser um bom ano para o Brasil.
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