O FANTASMA DA LUNUS VOLTA A ASSOMBRAR
A ocupante do governo do Maranhão aparece na companhia de outros políticos 'fichas sujas', como Jader Barbalho, Fernando Collor, Severino Cavalcanti e Edmar Moreira
POR OSWALDO VIVIANI
Uma reportagem publicada na revista Veja que chega hoje às bancas do Maranhão cita a ocupante do governo estadual, Roseana Sarney Murad (PMDB), como exemplo de corrupção impune na política. A revista relembra o "caso Lunus", episódio que fraturou a pré-candidatura de Roseana à Presidência da República, em 2002. De acordo com a Veja, apesar do escândalo - a apreensão pela Polícia Federal de mais de R$ 1,34 milhão em dinheiro vivo, cuja origem nunca foi devidamente explicada, no cofre da Lunus, empresa de Roseana e de seu marido Jorge Murad -, a filha de José Sarney conseguiu, no mesmo ano de 2002, se eleger senadora.
Além de Roseana Sarney, outros políticos que se elegeram, mesmo depois de comprovado o envolvimento deles com falcatruas diversas, também são mencionados pela Veja: Jader Barbalho, Fernando Collor, Severino Cavalcanti e João Paulo Cunha.
A reportagem, intitulada "Verdades que envergonham", tem como mote as declarações do deputado Sérgio Moraes (PDT-RS), que declarou esta semana que está "se lixando para a opinião pública" e que a opinião pública não acredita no que os jornalistas escrevem. "Vocês batem, batem e nós nos reelegemos mesmo assim", disse Sérgio Moraes, que já respondeu a processo até por favorecimento à prostituição. Leia a seguir a íntegra da matéria da Veja e um resumo do "escândalo Lunus".
"O Congresso seria bem diferente se todos os deputados e senadores seguissem o exemplo do deputado Sérgio Moraes, do PTB do Rio Grande do Sul. Na semana passada, o nobre parlamentar gaúcho deu uma invejável demonstração de sinceridade aos colegas e aos eleitores. Relator do processo que analisa as peripécias do deputado Edmar Moreira - aquele que tem um castelo de 25 milhões de reais e nunca declarou isso ao Fisco e também cultivava o hábito de usar a verba de gabinete para contratar serviços de suas próprias empresas -, Moraes se irritou com os jornalistas que cobravam dele uma posição mais rigorosa sobre o caso e disparou uma das mais honestas declarações que se ouviram da boca de um político nos últimos tempos: "Eu estou me lixando para a opinião pública! Até porque a opinião pública não acredita no que vocês escrevem. Vocês batem, batem e nós nos reelegemos mesmo assim".
A repercussão foi tanta que Moraes foi ao plenário se explicar, mas, no geral, não recuou um milímetro do que dissera - nem deveria. O deputado está certíssimo. Ele e uma parte considerável de seus colegas realmente não se importam com o que pensam os eleitores e, como tem ficado evidente diante dos últimos escândalos, agem com profundo desprezo em relação às questões mais elementares da ética, movidos pela convicção de que ainda serão premiados por isso nas próximas eleições.
Ficha corrida - A biografia do deputado é a própria demonstração do seu teorema político. Deputado federal em primeiro mandato, Sérgio Moraes presidiu o Conselho de Ética até março. Seu principal feito no cargo foi trabalhar pelo arquivamento do processo contra o deputado Paulinho da Força (PDT-SP), que participou de esquema de desvio de recursos do BNDES.
Antes de chegar a Brasília, Moraes teve dois mandatos de vereador e dois de prefeito em Santa Cruz do Sul (RS), também foi duas vezes deputado estadual. Vencia eleições à medida que respondia a processos. Há oito acusações contra ele no Supremo Tribunal Federal, entre as quais algumas bizarras, como a instalação de um telefone público na casa do próprio pai quando era prefeito. E já respondeu a outras um pouco mais delicadas, como a de receptação de jóias roubadas e de envolvimento com uma rede de prostituição - crime pelo qual chegou a ser condenado em primeira instância.
Apesar da ficha corrida, o deputado é campeão de votos na região. Sua popularidade é tamanha que ele elegeu a mulher prefeita de Santa Cruz do Sul e o filho vereador da mesma cidade. Por isso, Moraes sabe o que fala quando diz que está se lixando para a opinião pública.
Anistia do eleitor - Há dezenas de outros exemplos de parlamentares que se envolveram nos mais escabrosos escândalos da recente história política brasileira e que flanam pelos corredores do Congresso anistiados pelos eleitores (veja quadro abaixo, com Roseana Sarney, Jader Barbalho, Severino Cavalcanti, Fernando Collor e João Paulo Cunha). São as evidências reais de que o deputado Sérgio Moraes, infelizmente, apenas reproduziu a verdade.
"O que se convencionou chamar de opinião pública atinge um público restrito, com um pequeno poder de mobilização. Grande parte da população não tem acesso às informações sobre os desmandos dos políticos. E mesmo aqueles que têm informação estão mais preocupados com problemas cotidianos, como emprego, salário e educação dos filhos, deixando a política em segundo plano", diz o cientista político Rubens Figueiredo.
Para Claudio Abramo, diretor da ONG Transparência Brasil, as denúncias sobre os desmandos ainda são a melhor arma para a sociedade se defender dos maus políticos. "Nos últimos anos o acesso à informação tem sido facilitado e, com isso, a vida dos políticos corruptos tende a ficar mais difícil, mas é um trabalho de longo prazo", afirma. A entidade vê com bons olhos a possibilidade de proibir os políticos com ficha suja de disputar eleições.
Protegidos pelos Sarneys - Apesar de algumas demonstrações de indignação sobre as declarações de Sérgio Moraes, o Congresso, como regra, tem seguido linearmente o que o deputado prega - só que no mais conveniente silêncio.
Há duas semanas, por exemplo, foi revelado que João Carlos Zoghbi, ex-diretor de recursos humanos do Senado, e sua mulher, Denise Zoghbi, receberam 2,3 milhões de reais do Banco Cruzeiro do Sul pela renovação de contrato para concessão de crédito consignado aos funcionários do Senado. O pagamento foi feito a empresas do casal, que estavam registradas em nome de uma ex-babá de 83 anos. Em vez de remeter a investigação do caso à Polícia Federal, como seria o normal, o presidente do Senado, José Sarney, preferiu chamar a Polícia Legislativa.
Zoghbi, o milionário, tem uma relação muito próxima com o grupo político de Sarney e seu padrinho político é o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, aliado de Sarney. Seu chefe imediato no Senado era Agaciel Maia, o ex-diretor-geral demitido por esconder a propriedade de uma mansão de 5 milhões de reais. Agaciel chegou à direção do Senado em 1995, após ter protegido Roseana Sarney, filha de Sarney, de uma investigação do Ministério Público sobre uso político da gráfica do Senado, que ele presidia.
Qualquer investigação minimamente séria teria de se debruçar sobre as ligações políticas dos funcionários afastados com os parlamentares que comandam o Senado. Traduzindo: é uma investigação apenas de mentirinha, de faz de conta, para não chegar a lugar algum e deixar tudo como está. Os senadores também estão se lixando para a opinião pública. (Otávio Cabral)
CRIME E PERDÃO
É constrangedor, mas o deputado Sérgio Moraes tem razão. Autoridades, deputados e senadores envolvidos em grandes escândalos foram absolvidos pelos eleitores
Milhão escondido - Roseana Sarney renunciou à candidatura à Presidência depois que a polícia apreendeu 1 milhão de reais de origem desconhecida em seu comitê de campanha. No mesmo ano, elegeu-se senadora.
Corrupção e Fortuna - Jader Barbalho renunciou à presidência do Congresso acuado por denúncias de enriquecimento ilícito. Um ano depois, foi eleito deputado federal.
Propina - Severino Cavalcanti renunciou à presidência da Câmara por receber propina de um dono de restaurante. Três anos depois, elegeu-se prefeito de João Alfredo (PE).
Impeachment - Fernando Collor perdeu o mandato de presidente após ser acusado pelo próprio irmão de liderar um governo corrupto. Catorze anos depois, foi eleito senador por Alagoas.
Mensaleiro - João Paulo Cunha foi absolvido pelo plenário da Câmara em 2006 por receber dinheiro do esquema que ficou conhecido como mensalão. No mesmo ano, foi reeleito deputado.
Roseana e Jorge Murad nunca explicaram dinheiro escondido na Lunus
No dia 1º de março de 2002, uma operação da Polícia Federal encontrou R$ 1,34 milhão, em 26.800 notas de R$ 50, no cofre do escritório da Lunus Serviço e Participações Ltda., localizado no Edifício Adriana, no Renascença II. A apreensão ocorreu num momento em que Roseana Sarney Murad, sócia majoritária da Lunus, detendo 82,50% de seu capital (seu marido Jorge Murad tinha 17,27%), então no PFL, cavalgava com desenvoltura em índices expressivos nas pesquisas entre os pré-candidatos à Presidência da República. A imagem dos bolos de notas de R$ 50, exibidas com destaque pelas TVs de todo o país, implodiram a pretensão de Roseana e do clã Sarney de chegar mais uma vez ao mais alto cargo político do país. Em 13 de abril, Roseana desistiu de ser candidata à Presidência e anunciou que concorreria ao Senado, sendo vitoriosa na eleição.
O casal Roseana/Jorge: perguntas sem resposta
A dinheirama achada na Lunus nunca foi devidamente explicada, apesar de oito tentativas feitas por Roseana e Jorge Murad. Primeiramente, eles disseram que o dinheiro era da Lunus. Depois, que pertencia a outra empresa, e estava só guardado no cofre da Lunus. Reserva financeira para comprar madeira de construção e resultado de uma venda de chalés numa praia foram outras versões apresentadas para tentar explicar de onde veio o R$ 1,34 milhão, até que o casal Roseana/Jorge finalmente definiu-se pela versão da doação à campanha de Roseana de parentes, amigos e empresários ligados ao clã. Entre os supostos doadores, apareceram Fernando Sarney (irmão de Roseana), dois tios e um irmão de Jorge Murad, o próprio Jorge (que disse ter doado R$ 200 mil a Roseana sem o conhecimento dela...), o empreiteiro João Claudino, o prefeito de Altamira do Maranhão, Rosalino Silva, o empresário e político Ildon Marques e Antonio Klinger de Souza, irmão do atual ocupante do cargo de vice-governador, João Alberto de Souza.
Ninguém acreditou na história, mas mesmo assim o caso foi arquivado pela Justiça e o dinheiro devolvido a Roseana e Jorge. Ficaram sem resposta perguntas óbvias. Por que todos os doadores acharam que o cofre da Lunus, uma empresa instalada num prédio com vigilância amadora, era mais seguro que o cofre de um banco? Por que Jorge Murad, em vez de ir sacando o dinheiro conforme as necessidades de campanha, preferiu pegar a bolada de 200.000 reais em dinheiro vivo e metê-la num cofre? Por que o PFL não doou nada à sua pré-candidata, Roseana, apesar de o partido ter, em 2002, R$ 17 milhões de reais do fundo partidário?
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